A entrevistada da semana é a radialista e também jornalista Milly Lacombe.
Milly é formada em Rádio e TV na FAAP, mas se destacou mesmo no Jornalismo Esportivo e passou por SporTV e Record, onde foi comentarista. Atualmente a corintiana é colunista da Revista TPM e faz uns freelas por aí. Além disso, ela já escreveu quatro livros e, no momento, se dedica à biografia da deputada federal Mara Gabrilli.
Sumida da televisão, Milly está com 44 anos e vive um momento difícil na vida. No fim do ano passado, ela perdeu sua companheira Roberta, que foi atropelada na Av. 9 de Julho, em São Paulo.
Como voto de confiança, a entrevista, que foi feita por e-mail, está na íntegra.
Ou seja, sem edição.
Comecemos falando da famosa polêmica…
GuIgO NewS: Milly, se eu não te perguntar sobre a confusão com o Rogério Ceni meus leitores me matam. Você já pediu desculpas pra ele, o que mostra arrependimento seu. O que deu pra tirar de positivo desse imbróglio todo?
GN: Muitos torcedores, principalmente do São Paulo, ainda te ofendem no Twitter. Parece que o torcedor adora esse tipo de polêmica, não é? Isso ainda te afeta? Como você lida com isso?
ML: O torcedor, em geral, não tem a “memória ruim”. Ele vai lembrar sempre dos grandes feitos: as defesas contra o Liverpool na final do mundial, os gols na Libertadores de 2005, o 100 Gol contra o Corinthians… a paixão é isso: a gente esquece o ruim e fica com o bom. É assim num relacionamento, é assim no Jogo, é assim na vida. Então, é natural que o torcedor tenha raiva de mim, afinal, entrei em rota de colisão com o ídolo. Mas não podemos deixar de lado o machismo das agressões. O bizarro episódio da suposta proposta do Arsenal já foi levantado por muita gente pública, homens sempre, que nunca receberam essa quantidade de ira e de agressões. É mais fácil vir pra cima da mulher? Para muitos machões, é.
GN: Afinal, você teve que pagar indenização ao Rogério? Pode falar qual o valor? Tem lugar que diz que foi R$ 60 mil, outros 150… O que é verdade?
ML: Houve um acordo e a indenização foi paga. Acho que menos de 60… de verdade, nem sei.
GN: Já se encontrou com ele depois do fato?
ML: Não encontrei. Não haveria problema, acho. Seria uma situação meio constrangedora, mas acho que sem maiores incidentes (risos).
GN: O que sentiu quando viu Rogério Ceni fazendo o gol 100 no Corinthians? (risos)
ML: Muita raiva (risos). Primeiro do juiz porque ele marcou uma falta absurda, que não aconteceu. Basta rever a jogada. Depois, do Julio Cesar. Pô, arruma direito a barreira, caramba! (risos). Tava na cara que ia ser gol, tinha um canto todo exposto que jamais seria alcançado por um goleiro de baixa estatura como o JC. Arruma direito a barreira! Posso estar enganada, mas o JC toma muitos gols de falta. Alguém já deve ter feito esse levantamento numa época de futebol regido por números o cálculos. E eu detesto números, especialmente quando eles me desmentem.
GN: Quando eu falei para meus amigos jornalistas que eu ia te entrevistar, muitos falaram que você “sumiu”… Você sumiu mesmo ou é só uma impressão?
ML: A gente vive num mundo que se a pessoa vai para a TV e depois sai, ela some. Nesse mundo, sumi sim. Fui da Globo para a Record fazer a Champions, e, quando a Record perdeu os direitos da Liga, meu contrato não foi renovado. Aí eu saí.
GN: Você escreve colunas muito legais na TPM e não esconde que é lésbica. O que acha das pessoas que escondem?
ML: Acho que ninguém precisa ser panfletário e sair gritando aos quatro ventos a orientação sexual. Mas também acho que mentir não é legal. É mais ou menos a posição do PVC a respeito de revelar para que time ele torce. Ele diz que só revela quando é relevante, e que é relevante quando alguém o pergunta. É isso. Minha atitude foi a de revelar publicamente porque acho que assim posso ajudar jovens a entender que ser gay é normal. O que não é normal é ser homofóbico.
GN: Aliás, ultimamente os textos têm sido sobre a sua saudade da Rob. Você escreveu na coluna do dia 08 deste mês: “Vejo ela a meu lado, feliz por me sentir voltando. Era o que ela desejaria, afinal e acima de qualquer coisa. Como desapontá-la?” No que você se conforta para amenizar a saudade da Rob? Qual a dica que você dá pra alguém que passa pela mesma situação?
ML: Não há muito conforto, infelizmente. Mas o pouco que tem eu encontro falando dela, vendo ela ser citada, contando histórias dela. A dor ainda é uma coisa gigantesca, avassaladora, tem dias que parece querer me engolir. É um lugar comum isso, mas, como todo o lugar comum ele é muito verdadeiro: só o tempo aplaca a afliçao, a angustia, o sangramento da alma. A gente encontra ajuda e abrigo no colo daqueles que nos amam e que têm paciência de nos deixar passar pelo luto. É um processo e sei que estou no começo dele apenas.
GN: A Rob era sua companheira de Pacaembu. Você escreveu que mudou quase toda sua vida depois da morte dela. Também deixou de ir ao estádio para ver o Timão?
ML: Eu fui ao jogo do título contra o Palmeiras, exatamente um mês depois da morte dela. Foi muito difícil, intenso, doído, bonito, memorável. Mas eu tinha que ir. Ela iria. Ela me obrigaria a ir. Comprei uma camisa oficial e mandei colocar a nome dela e o número 10, que ela adorava, nas costas. Peguei minha dor abismal e fui. Ver jogos do Timão sem ela ainda é ter que lidar com o absurdo. Ela era a pessoa que mais entendia do jogo que já conheci. Tinha a memória do PVC, o conhecimento tático do Tostão e a sensibilidade feminina. Tudo o que sei de futebol aprendi com ela e com meu pai. O básico, com ele. O original, o fora do comum, o extraordinário, com ela. Ninguém pensa o jogo como ela. Eu perdi um grande amor, a melhor amiga e minha companheira de jogo e ensinamentos futebolísticos. É muita coisa para perder.
GN: Falando em Corinthians, aprova o trabalho do Tite?
ML: Não dá para dizer que não. Depois do Tolima tudo se encaixou e o time conquistou o nacional. Tem toque de bola, tem ritmo, é um time duríssimo de ser batido. O que reprovo não está no time do Tite, ou no do Muricy, ou no do Abel. O que reprovo é o futebol que prefere não tomar do que marcar, que privilegia defesas a ataques, que pensa em títulos e não em arte. Futebol é uma forma de expressão artística – pelo menos deveria ser – e, como tal, tem que inspirar, tem que arrepiar e fazer sonhar. Mas ficou estabelecido depois das seleções do Telê, que jogavam bem e perdiam, que só havia essas opções: jogar bem e perder; jogar mal e ganhar. Uma bobagem enorme, que o time do Barcelona tratou de fazer ver – embora ainda haja que se recuse a ver.
GN: E o que acha que o Timão precisa para vencer a Libertadores?
ML: Confiança, espírito vencedor. Hoje, ao lado do Fluminense, o Corinthians é o time mais forte da competição.
GN: Milly, muito obrigado e boa sorte na sua carreira.
ML: Valeu, Gui!